cinco momentos da literatura argentina
ensaio de Ariel Luppino

Saer e a herança. É muito difícil copiar a respiração de Saer sem ser asmático. Frases longas ou curtas, separadas por vírgulas. Saer construiu sua prosa com uma métrica e uma cadência, um ritmo e um tempo próprios. Saer inventou uma sintaxe para suas novelas e seu tom remete às recordações. Saer construiu uma entonação que tem o tamanho de sua respiração. Muitos copiam seu tema de cidade pequena, inferno grande (no estilo de um Faulkner santafesino desprovido de cor local), mas a maioria apenas copia essa entonação. Saer conta o detalhe de um detalhe, e então um detalhe desse detalhe, de forma recursiva, até a exasperação, e é assim que ele escreve o real. Isso ele tira do objetivismo francês, do nouveau roman (sobretudo de Robbe-Grillet, mas também poderíamos citar Sarraute e, em menor medida, creio eu, Claude Simon). Às vezes, ele fixa a prosa e detém o tempo na descrição de um instante. Com esse concretismo, Saer produz uma decomposição psicótica da realidade. Como disse William Carlos Williams: “Nenhuma ideia, salvo nas coisas”. Isso se intensifica com a narração no presente. E Saer narra no presente do indicativo porque isso produz um efeito: o tempo parece passar mais lentamente, como se disséssemos: mais lentamente. As novelas de Saer são uma amostra, não são novelas. Como todo monomaníaco, ele narra repetidamente a mesma cena, embora essa cena mude repetidamente. É por isso que seus relatos não são oníricos, mas sonolentos, e em poucas ocasiões se tornam soporíferos, porque contam despertares e não replicam a lógica do sonho, mas recriam a atmosfera da sesta, uma cena que se condensa em um lânguido entardecer de verão. Saer embala e acalma o leitor com sua entonação, e balança sua prosa no absurdo da ficção.
César Aira, contista. Aira escreve com uma prosa escolarizada, neutra, quase transparente. Aira não permite que a prosa distraia o leitor, mas envolve-o com a graciosidade de suas frases. Aira escreve uma poética do inapreensível que aqueles que copiam seus procedimentos não conseguem ver. A prosa de Aira é como um vidro iridescente que mostra apenas os jogos da imaginação. Aira escreve sem esforço, ou o esconde a tempo, e essa é a fórmula da felicidade que ele exibe em todos os seus contos. A estrutura paradoxal de seu fraseado produz o efeito de uma revelação e sempre parece nos revelar uma verdade, mesmo que essa verdade seja apenas aparente. Os relatos de Aira não são romances curtos, mas contos longos, inclusive são contos La liebre (1991) e Ema la Cautiva (1981), e seu tom remete à infância. Aira nunca conta o que aconteceu, mas o que vai acontecer, mas às vezes inverte os papéis e conta ao contrário, em uma fuga para frente. Ao virar a história de cabeça para baixo e contar o que aconteceu como o que vai acontecer, ele pode fazer com que tudo aconteça, e assim justifica e redefine para trás o que contou para frente. Mas também tem ideias, grandes ideias, que são literárias e não podem ser levadas a sério fora do contexto que as compreende. Aira finge pensar para continuar escrevendo, mas suas reflexões são outra forma de ficção. As melhores piadas de Aira também não podem ser reconhecidas como tal, porque, ao contrário do que muitos acreditam, as boas piadas não fazem rir, mas obrigam a pensar. Desde o início, Aira conseguiu enganar o mercado, vendendo coelho por lebre, mas o seu coelho é legibreriano[1] e presta-se à confusão. Aira não inventa nada, não precisa inventar. Como disse Rose Bertin, uma costureira sem vento: “só é novo o que esquecemos”. Aira é uma máquina de sistematizar: da fuga para a frente de Copi à teorização borgiana. Ele não cria seus precursores, mas os dilui em sua escrita e os assimila em sua própria essência. Um de seus segredos consiste em colocar o conhecido em um lugar inesperado para que pareça novo, um pouco à maneira dos surrealistas ou de seu verdadeiro mestre, que não é Lamborghini, mas Marcel Duchamp: Aira é menos um escritor do que um artista, no sentido clássico da palavra.
Lamborghini e seu biógrafo. Lamborghini tem uma prosa nervosa e uma respiração entrecortada, como um arquejo. Lamborghini esvazia as palavras de sentido para poder desdobrar sua plasticidade e produzir torções na língua. Parece partir de uma pergunta: como fazer com que uma língua familiar — uma língua materna — se torne estranha. “Primeiro publicar, depois escrever” não é uma piada, não é uma boutade. “Primeiro publicar, depois escrever” é um programa de escritura. Lamborghini entendeu que a escrita se completava com a edição, não em termos metafóricos, mas sim literais, e por isso pôde prever o caráter póstumo de uma obra: a sua própria. “Juro que ninguém escreve minhas novelas” pode ser lido de duas maneiras: como uma jactância ou uma resignação. Lamborghini teria adorado que alguém publicasse as novelas que ele ainda não havia escrito para poder escrevê-las. Talvez isso tivesse feito com que valesse a pena escrever e que a escrita exorcizasse a pena do “indizível”. Mas quem iria ler aquilo que Lamborghini não queria ou não podia escrever? “Primeiro publicar, depois escrever”. Através da edição, Lamborghini compreendeu o caráter fragmentário de sua obra. Se sua obra era “os papéis póstumos de um escritor genial”, Lamborghini primeiro precisava morrer para publicá-los, porque o caráter fragmentário era constitutivo de sua literatura, e após sua morte aquilo que fosse “publicado” finalmente seria escrito. Como a tão anunciada novelinha triste de Lamborghini que finalmente foi escrita por Strafacce. Em uma carta a um de seus amigos, Lamborghini escreveu o seguinte: “Há dias estou reescrevendo ‘La Hija de Hartz’ na esperança de poder enviá-la em breve. Tremo: ela precisa ser perfeita. Mas me custa. Ela se obstina em não ultrapassar o nível do muito bom: e acontece que, por razões longas de explicar, e que se relacionam com o que eu poderia chamar pomposamente de minha obra, desta vez ela deve interromper a perfeição”. O que Lamborghini deve interromper não é a perfeição, e sim a escritura, mas deve fazê-lo justamente para que o poema seja verdadeiramente perfeito, ou seja, inconcluso e, dentro dessa lógica, para que ele possa publicá-lo (primeiro) de forma póstuma e depois (terminar de) escrevê-lo. O poema deve fazer parte de uma série com os outros poemas, contos e novelas apócrifos: aquilo que Lamborghini chamava “pomposamente” de sua obra e que não passava de “os papéis póstumos de um escritor genial”. Já em 1977, Lamborghini fala com um amigo como se ele fosse seu executor testamentário e, ao mesmo tempo, prefigurasse a leitura de um biógrafo, ou melhor, um cartógrafo que se encarregaria de reunir seus papéis, recompor o sentido e dar conta de seu gênio. No entanto, para que “La Hija de Hartz” fosse “perfeita”, deveria permanecer fragmentada, e foi isso que acabou acontecendo, neste caso como em outros, de forma extrema: como fragmento, restou apenas o título, e o poema foi “publicado” na medida em que tanto o biógrafo (Ricardo Strafacce) quanto o executor testamentário (César Aira) o consideram parte da obra perdida ou não encontrada de Lamborghini. E se Lamborghini nunca tivesse escrito isso? E se ele tivesse apenas publicado primeiro para escrevê-lo depois, postumamente? “Publicar primeiro, escrever depois”. Diante da impossibilidade de escrever, Lamborghini reduziu seu programa de escritura à metade da frase. Primeiro o primeiro: publicar. Portanto, “juro que ninguém escreve minhas novelas” poderia ser lido agora de três maneiras: como uma jactância, uma resignação ou uma queixa. Uma queixa que alguém poderia ouvir postumamente. Isso explicaria por que Strafacce, cansado de procurar e não encontrar a novelinha triste de Osvaldo Lamborghini, decidiu escrevê-la e publicá-la, à maneira de Osvaldo Lamborghini, em todos os sentidos da expressão. Mas a novelinha triste de Osvaldo Lamborghini não era sua própria vida, sua Biografia? Ou então: Osvaldo Lamborghini, uma biografia é uma novela paranoica em que o narrador busca desvendar um crime (“o indizível”) e encontrar um culpado onde o leitor menos espera? E se “o indizível” fosse uma pista falsa…? E se Strafacce não tivesse sido suficientemente paranoico…? E se Lamborghini não fosse totalmente inocente ao interromper a perfeição…? “Primeiro publicar, depois escrever”. Talvez possamos vislumbrar uma explicação na reescrita que Lamborghini fez do Martín Fierro: “Sempre há encontrões quando um gênio se diverte”.
Laiseca, o gênio máximo da vida mesma. Laiseca não é um escritor delirante. Isso só podem dizer aqueles que não o leram ou não o compreenderam, ou aqueles que tomaram ao pé da letra a definição que ele deu para sua obra: realismo “delirante” aqui deve ser entendido como realismo ultrapassado, deslocado, embora esse deslocamento seja para o plano das hipóteses. Laiseca capta o núcleo delirante do poder e o desenvolve até suas últimas consequências: essas possibilidades são as tramas de suas novelas. Laiseca demonstra que é possível escrever bem apesar de ser um gênio, e isso o torna um escritor único. Ele não apresenta o problema de Aira e Saer, que escrevem demasiadamente bem. Laiseca inventa máquinas estranhas e escreve em uma linguagem privada, intraduzível, como todo grande poeta. As novelas de Laiseca são novelas sobre o saber, sobre o conhecimento. Mas há outro aspecto de sua obra que não é menos interessante do que sua erudição. Laiseca utiliza palavras como leitmotiv ou como um ritornello. Por exemplo: “conchaza”. O que desencadeia uma associação: “Que conchaza tinha a velha!”, e assim por diante. É como se Raymond Roussel tivesse abandonado seu programa de escritura e se guiasse pela intuição ou pelo ouvido. Mas, apesar de caminhar às cegas, ele nunca falha, e à medida que avança suas novelas se unem e se confundem em uma amalgama indivisível, e tudo faz sentido em retrospecto. Laiseca escreveu a melhor novela da literatura argentina[2] e El jardín de las máquinas parlantes, uma novela completa de 800 páginas que pode ser lida de uma só vez. Era como se ele quisesse deixar claro que quem é rico pode jogar pérolas aos porcos.
Música cabeça de câmara. Cabezón Cámara constrói uma métrica própria a partir da apropriação de formas clássicas. Os octossílabos e hendecassílabos ressoam em sua prosa como um eco distante. Cabezón Cámara fez uma das transições mais originais dos últimos anos: transferiu a cadência do verso clássico para a narrativa atual, e por isso ninguém é mais contemporâneo do que ela. Cabezón Cámara leva suas novelas (que na verdade não são novelas, mas poemas novelizados) às suas origens orais. É como um daqueles rapsodos que recitavam seus ditirambos em um meio iônico cantado, um pouco à maneira dos tangos de Goyeneche. O fraseado de Cabezón Cámara tensiona a métrica e cresce por acumulação. As frases se copulam entre si e dão origem a outras frases mais longas, quase intermináveis, que alteram o sentido e redefinem o papel da leitura. Cabezón Cámara escreve para ser lida como se fosse ouvida, porque há uma musiquinha que atravessa todos as suas novelas de ponta a ponta, embora essa musiquinha mude com as tramas. Me atreveria a dizer que um dos seus temas é o musical de um relato: como encontrar o tom exato para narrar uma história que começa? Mesmo assim, com todas as suas variações, há uma “música Cabezón Cámara” que persiste, e quem a ouve uma vez não consegue mais esquecê-la. Cabezón Cámara escreve como uma muralista e sua prosa ganha consistência com as cores, os animais e a vegetação com que ela arma suas histórias. Sua última novela levanta uma questão extrema: como se pode narrar a luz? E isso, paradoxalmente, a aproxima de Saer e Aira, embora seu estilo a mantenha à distância. Cabezón Cámara escreve bem porque pensa mal, ou melhor, sua literatura está à frente de suas ideias, e por isso qualquer categorização da crítica fica aquém ou chega tarde. Ela nunca está onde vão procurá-la, mas também não está onde diz estar.
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Este texto foi lido no Instituto de Literatura Argentina da UBA quando fui convidado para apresentar Las brigadas. E três desses momentos foram selecionados e traduzidos por Loris Tassi para o Crapula Club.
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[1] NE: A “lebre legibreriana” é uma personagem do livro La liebre, de César Aira. Segundo Ariel Lupino, a lebre legibreriana surgiu de um sonho que Aira teve, no qual Fogwill lhe falava sobre esse estranho animal.
[2] NE: Aqui Ariel Luppino se refere a Los Sorias (1998), mítica novela de Alberto Laiseca.
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Ariel Luppino nasceu em 1985, em Monte Grande, Argentina. Dono de um projeto singular e proliferativo, publicou novelas, ensaios e relatos.
O ensaio acima, traduzido por Luiz Guilherme Fonseca, faz parte do livro La Risa (2020).
Consulte a página de Ariel Luppino no acervo de MUTUM
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