Sunlight on the Harlem River (1919), Ernest Lawson. Artvee/ Domínio público
RIO PAMPÃ
suas danças d’água, seus brinquedos de lua, seus meninos pescadores, seus sonos-sonhos em paredes de taipas, suas comidinhas de fogão a lenha, seus candeeiros iluminados de estrelas, suas trempes ao relento
Rio Pampã cobra-novela, indo e vindo em pés-sopés-montanhas, pavoneando cidades de águas formosas, cochilando lembranças em moirões de porteiras,
Rio Pampã dos índios maxacalis (não os emoldurados em revistas e TVs) não os das facas afiadas e peitos largos na correnteza dos ventos
Rio Pampã das modas de viola e da cachaça de Zé de Vieira
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UMA TERRÍVEL ESPERA DE GODOT?
– talvez máscaras,
máscaras de um escravo no fundo de uma mina de morro velho
e o coração corroído pelo PÓ.
ou talvez alguns senhores de punhos rendados que em refinadas mesas de jacarandá navegam no subterfúgio das palavras.
ao leitor: a montagem do cenário e a confecção do figurino.
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POESIA: MERAS SUGESTÕES
É preciso despojar a poesia do cinza das gravatas, afastá-la das penumbras dos gabinetes, exumá-la do espaço das grandes mesas de jacarandá e seus punhos rendados.
É preciso desmascarar urgente o verniz mentiroso das palavras e o subterfúgio das reticências.
É preciso asfixiar os camaleões.
É preciso soltar os porcos e sangrá-los.
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Adão Ventura nasceu em 1939, em Santo Antônio do Itambé, em Minas Gerais, no Brasil. Poeta e prosador, foi uma das vozes mais originais da literatura brasileira na segunda metade do século 20. Morreu aos 65 anos.
Os versos acima são da seção “Outros poemas” de A cor da pele – poesia reunida, lançada em novembro de 2025 pela coleção Círculo de Poemas, da editora Fósforo. Os poemas eram inéditos em livro até então.